quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Ainda prefiro a vida descrita por Nelson Rodrigues.


Há pouco tempo mudou-se para minha rua uma nova vizinhança: a realidade incoveniente.  Todo mundo está ciente das mazelas da nossa sociedade, a pobreza diária de quem não tem tanta sorte de possuir o necessário, os desastres naturais causados pelo próprio homem, nossos velhinhos morrendo nas filas enquanto aguardam pacientemente uma ajuda para aliviar a dor de viver, e, o que nos causa mais comoção: nossas crianças esquecidas em qualquer lugar. Nosso futuro está sendo muito mal cuidado.
Sobre essas crianças que quero tratar aqui. A maioria de vocês já deparou-se com um rostinho de esperança faminta ''tentando se enforcar na janela do carro'', como diria Cazuza. Se já nos corta o coração ver esses pequenos seres implorando por centavos para comprar o que for, na tentativa de aliviar a fome, o frio e a falta de amor, imagina então abrir a janela e ver o descaso com o futuro todos os dias.
Eles ficam ali, todos os dias, exatamente em frente a minha casa, uma espécie de abrigo para crianças abandonadas. Pequenas, grandes, brancas, negras. Ficam ali, correndo de pés descalços, a maioria do tempo vendo televisão, para deixar o presente tão vazio em pause. Os instrutores as tratam como professores durões, não tem mãe, não tem pai, o amor incondicional, acima de tudo, não existe.
Impossivel conviver com tantas vidas a espera de atenção, amor, compreensão. Alguém que muitos de nós contamos quando pequenos e continuaremos para o resto da vida sabendo que estão lá, nossos laços de sangue, de amor, de afeto. E eles? Me frustra pensar o que eles serão daqui uns anos. Ainda mais com as leis tão rigorosas e ineficazes de adoção em nosso país, onde uma tentativa de resgatar um desses meninos para a inclusão social é barrada por lista de exigências. anos de espera e quando é conquistada muitos já são grandes e precisam sair dali.
Quando qualquer coisa dá errado podemos voltar a casa dos pais, e eles? Só lhes restam as ruas, pequenos furtos para poder comer e grandes doses de rebeldia e revolta. Também não sei o que fazer, poderia adotar todos eles? Visitá-los? Dar brinquedos periodicamente? Todas essas idéias são válidas, mas não passam de idéias e não podem pular a barreira da burocracia do Brasil, onde a maioria que quer ajudar, não sabe por onde começar.
Um menino, particularmente me chama atenção, deve ter uns quatro anos, brinca todo o tempo de pés no chão e bermudinhas até os joelhos. Ele sorri com seus olhos tristes para mim. Eu sorrio de volta com minha boca de babaca que não pode fazer nada. Como posso ser uma boa vizinha com o triste futuro que nos aguarda?