Estávamos papo vai, papo vem, no nosso boteco de sempre, quando foge da boca de minha amiga um grito desesperado. Tomada pela vergonha, ela mata-o com as mãos, arregala os olhos e fica mais vermelha que minha pele, abraçada pelo sol na manhã do mesmo dia. Depois sussura, quase como contando um segredo, e se justifica: "UM RATO, GURIA. E ele quase subiu na minha bolsa", olha pro lado, toma seu saquinho branco, com todo o cuidado e coloca-o no colo. A-p-a-v-o-r-a-d-a.
Nesse momento uma 'indivídua', da mesa atrás da nossa, argumenta com o namorado também ter notado a presença do rabudo, que, por despeito e para desespero do restante do público feminino resolveu sair do vizinho, onde até o momento tinha dado um olhada apenas pelo muro do lado, para juntar-se com os seres humanos no bar. Os segundos de confusão estavam armados, era mulher querendo subir em cadeira, outras gritavam, mãos eram levadas à cabeça, pernas indo pro lado oposto e ele se divertindo, correndo entre as mesas, até que desistiu de incomodar a noite das pobres viventes e foi para onde tinha vindo: a rua.
Passada toda a confusão, gargalhadas e comentários gerais, a maioria de homens, que, para variar adoram debochar das reações e dos medos do sexo oposto, talvez por inveja de não poderem dar um chilique tão sincero quando sentem medo. Um chegou a falar "imagina se fosse uma onça", tirando chacota de todo rebuliço feito. Nisso teci meu comentário, para minha amiga: "como é fácil para eles, só sabem tirar sarro do medo das mulheres", quando, o dono de um ouvido masculino atento, o que é muito raro hoje em dia, veio até a nossa mesa, e, como se pedisse desculpa por seus semelhantes disse: "foi tu que disse né, mas eu juro que não vi nada, foi engraçado porque só vi elas gritando e correndo". Ok, perdoado, eu mesma dei risada até minha barriga doer.
Depois dessa explicação minha amiga fez uma observação, do que, até o momento tinha passado desapercebido por mim: "tu viu que só as mulheres notaram o rato? Nenhum homem aqui viu ele passando pelas cadeiras, como são né?", e assim fazem com quase tudo que acontece ao redor, as coisas estão na cara, escancaradas e eles só conseguem enxergar quando um berro ou um grito os trazem de volta para a vida real.
O problema, que conclui e logo falei, foi o seguinte: eu também não tinha visto o rato. Seria eu uma mulher com o velho problema irritante de não prestar atenção no mundo à volta, como fazem nossos amigos? "..não, guria, tu tava de costas...ou vai ver tu é meio homem também", respondeu minha amiga, para meu desapontamento. Logo eu, tão ligada em tudo.
Na mesma noite cheguei em casa e liguei meu velho ventilador, que faz barulho apenas, para me distrair dos assovios chatos dos pássaros, que insistem em me incomodar, e fui dormir. No meio da noite acordei para beber um pouco d'água e desligar a tv, que normalmente é esquecida ligada porque pego no sono. Outro comportamento masculino também...
Mas aí eu me dei conta: o ventilador não estava fazendo o velho barulho de carroça velha, rolei para o lado da cama, coloquei a mão para baixo e quase queimei os dedos: o motor estava ligado, mas não funcionava, quando me inclinei para ver o que se passava senti o forte cheiro de queimado. Nesse momento notei que ele estava quase pegando fogo. Orgulhosa de mim, e do meu instinto feminino, desliguei o teco-teco da tomada, sorri aliviada e voltei a dormir, pensando: "um homem só ia se dar conta disso quando o fogo tocasse seu dedão do pé". Em seguida constatei: realmente, eu não vi o rato porque estava sentada de costas.